Os inspetores já trocaram de turno pela segunda vez e parece que o rapaz sempre inerte, está com o mesmo olhar, o mesmo cheiro e o mesmo jeito meigo de ser. O cotovelo direito repousa no espaço entre o joelho e a coxa, com a mão apoiando de leve no queixo coberto de barba, coçando as espinhas que deformam teu rosto. A mão esquerda sustenta boa parte do peso apoiada no segundo degrau da escada e se esbranquiça de força. Suas pernas entrelaçadas atrapalham a passagem ainda com a face soberba para com o resto do mundo. Um sorriso entreaberto e desnecessário assombra de risos todas as demais pessoas. Raras vezes troca idéias como gente civilizada, muito menos como não civilizada. Raras vezes troca idéias. Quando não sentado em qualquer lugar, apóia-se na limiar da porta e sorri para o vento, talvez sorri porque assim vê o mundo, uma comédia entorpecente entre amigos ou desconhecidos. O seu silêncio é uma canção tão rústica quanto a migração dos pássaros, e sua vida é assim, uma migração de idéias que se escondem atrás de cada coisa que ouve, com cada coisa que quer ouvir, com cada coisa que pensa e não fala, sorri.
Sua mãe pode tê-lo criado assim, pode tê-lo não criado, pode apenas tê-lo e nada mais. Quem sabe um dia teve uma descoberta trágica ao ponto de levá-lo ao desconsolo eterno, ao ponto de fazer-lhe pensar que o melhor modo de viver é só, distante de toda a maldade que carrega a mais sublime face do homem, que não faz exceções. Tua vida é uma farsa como todas, uma farsa de fardo oculto que destrói. Cede as instâncias da quietude tanto quanto segue a vida numa estrada longa e deserta, sem ter sequer cavalos pra disfarçar a solidão.
Com o tempo ganhou o que sempre quis: um espaço no vão da sala; na escória da sociedade; no limiar das portas; nos degraus de uma escada pouco usada por comuns. Com o tempo ganhou infinitas descrições diferentes por cada pessoa que o observa nos átimos mais confusos, para cada pessoa que ele sorri escancaradamente.
Um perito no que pratica, profissional de fato em ser só e talvez certo. Sabe-se que não há rumo pro rapaz, como não há para todos que criticam tua aparencia crítica. Falar-lhe não fará de ninguém superior, como não o fará superior, mas não tiro a razão do suicídio que é a única saída, o único refúgio para não passar horas mais vestindo a solidão do mundo que o próprio se ausenta.
"Vestindo uma pele branca pálido, debruça sobre os braços cruzados a testa oleosa e os olhos esverdeados, que descansam-se da mordomia de não carregar ninguém em si. E talvez se carregasse, daria piruetas até que o último abandonasse novamente os únicos risos normais que cantam a boca em tratamento..."