26 de outubro de 2009

à dois





-Garganelli, por favor. - A donzela afirma e sorri, já convicta de sua escolha.

Éramos dois perdidos em meio ao imenso espaço do restaurante, perdidos na dimensão do silencio tímido de um primeiro encontro. A luz tênue da lua se deixava levar por negras nuvens que acompanhavam a noite em sua esbelta juventude das 21:00 hrs, causando a perda de claridade do ambiente aconchegante que há dias esperava reservado. Já o garçom, flertava uma jovem ao carregar nosso pedido para o cozinheiro. Nem um cão seria tão insensível.

A impaciência era o nosso ponto comum, e rapidamente fora acobertada por leves doses de vinho que enfim desenrolaram nossas línguas acanhadas e propiciaram a nós uma longa e distinta conversa romântica. Dei-a, a conversa, por vencida, quando em teus olhos vi canções e florestas, vi as areias do mar, vi um sino que soava sutilmente enquanto teus lábios secos movimentavam junto a tua fala. Seus olhos são as suas idéias e desejos, expostas pelo curto caminho entre eles, os nossos olhos. Era incrível, a harmonia de tons purpúreos que exibia teu corpo antigamente esmorecido com a decoração do espaço a nossa volta, parecia estagnar a todos, inclusive a Lua. Ninguém além de mim fazia idéia do que luzia de tua mente naquela mesa tão pequena, naquele restaurante tão grande, naquele encontro tão distinto. Eras a estrela daquela noite, e também de algum futuro alvorecer juntos. Foste desde sempre o estribílio de meus sambas, a sepultura despojada que sonho me eternizar.

Nasceste da conversa a aproximação. De início eram as mãos que entrelaçavam-se como num protesto místico e viviam o suor uma da outra, as suas eram finas como o próprio corpo, modelado e esculpido para perfeição, como um templo para os doentes. Paramos mesmo no início, sem mais. Ofegante, esbarrei nos talheres plúmbeos que aguardavam, como eu, o prato desejável que o velho chef preparava à sua equipe.

Agora o escuro céu das 21:40 hrs era mais denso que anteriormente, os astros brilhavam num coral de enamorados. Eu, cavaleiro dos anjos, último vivente da noite, vizinho do desejo, e sobrevivente da longa conversa à dois, madrugava no ruído das tuas garfadas e das minhas, suspirava no silencio de tua voz e na louca fantasia dos apaixonados.

Era tudo uma coisa só, a brisa, talheres, o ronco dos carros do lado de fora, o trio, os nossos corações.


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