31 de julho de 2009

A estação qual nunca chega


No fim do turbulento dia, já beirando a madrugada. Sujeito a uma lamparina que constantemente oscila e curioso para saber o que se passa na sala de estar, há um jovem escrevendo sobre a situação em que escreve.

Um dia após o outro e em todos os lugares, não me canso desse romantismo barato.
Não me canso de ser barato, e fácil, e exagerado, e incomum, e inconsequente, e errado, e verde. Assim. Meio verde.

30 de julho de 2009

Bloco C apt 66, ou algo do gênero


Bela visão tem aquele apartamento novo: um bosque, plantações de alguns temperos exóticos e bancos de madeira ao ar livre, para livre e completo acesso dos casais carnais. O vento forte de um sexto andar, uma sacada ampla e bem arejada e o gosto de saber que tudo ali não passa de um desejo.

Te espero na cobertura. sozinho...

27 de julho de 2009

A farra



Uma tênue luz solar ainda domina grande espaço no horizonte infinito da cidade. A porta suja de um bar, fechada como sempre. Os ambulantes finalizando seu trabalho e contando seu lucro, resultado do trabalho intenso do dia todo. Os donos das lojas locais batendo com força as pequenas portas de alumínio contra o chão. Os mendigos, estáticos, apenas com suas canequinhas para armazenar o dinheiro conseguido ao longo do dia. Os compradores felizes e infelizes, satisfeitos e insatisfeitos ao mesmo tempo. As velhas costureiras, que vendem seus tecidos bordados, conversando entre elas e arrumando seus carrinhos para voltar para casa. Agora, a noite vem a pouco tecendo uma linha escura no céu e como em uma cena de cinema, os participantes dessa paisagem semi-noturna dominam a rua, visto de frente como um desfile do exército, esbanjando organização e ordem. Ouvem fortes estalos, é a porta do velho bar se abrindo.

A lua já tão próxima, ofuscando o reflexo do Sol e refletindo-o para a rua escura, tornando-a uma rua clara e cheia de vida, como um jardim em plena primavera. E agora, eufóricos, os passos do batalhão de cidadãos causam um estrondo sincronizado. Quando todos se desligam e com olhares fixos para frente, param. Feito cimento concretizado.

Um chiado cisca os ouvidos atentos do batalhão de estátuas, é a vitrola do velho bar soando. A curiosa cena de cinema agora se desfaz, a organização e a ordem tornam-se vadiagem e boemia.

Os cidadão em sincronia atiram-se para todos os cantos da rua, correndo feito loucos, e como jovens delinqüentes berram e quebram as vidraças das lojas sem portas protetoras. Agora fora de sincronia. As velhas costureiras são as primeiras, arrancam suas roupas por completo e vibram sem motivo algum, urram e despedaçam suas peças intimas, tornando-as como retalhos recortados, as banhas pulando, nojentas velhas. Todos os homens embebedam-se loucamente e atingem-se com as garrafas de vidro quebradas. A música baixa da vitrola se transforma em uma batida contagiante que leva todos os personagens a dançar, histéricos e apaixonados.

Agora todos nus, deitam e tornam do chão um grande colchão. Como era de se esperar, amam-se atirados no asfalto áspero. Como se na grama, rolam um sobre o outro marcando de vermelho as partes do corpo que raspam vorazmente no chão. Todos farreiam, exceto o dono do bar, que mantém a postura ereta e de braços cruzados na porta de seu bar agora aberto, cheio e infestado de malucos.

Aquela suculenta farra parecia ser eterna, até que da noite surge uma luz alaranjada, era o Sol. O dono do velho bar desliga a vitrola lentamente, todos os cidadãos tornam-se estátuas novamente. Após alguns minutos carregando os corpos inertes para fora do bar, fecha as portas e desaparece.

Todos voltam a si e, pasmos desviam um dos outros procurando desesperados suas roupas largadas pela rua. Os olhares incessantes e duvidosos, o desespero de ver-se nu em público e a falta de vontade para trabalhar em plena terça-feira de manhã. A rua começa a encher.

26 de julho de 2009

a garoa, a vidraça, você


A vidraça pouco aberta e os resquícios de gotas respingando gelados em meu corpo.

Essa chuva fina, de poucos alívios que claramente corrompe os compromissos de um domingo de Sol. Essa chuva fina e de poucas palavras, chuva que quando contra a luz, produz incessantes traços e sem luz não passa de um som. O som das rodas molhadas dos carros passando velozes na avenida livre, o som das gotinhas unidas acumuladas nas folhas do Ipê indo contra o chão, o som dos galhos se espancando sem sentido, o som que a rua vazia produz e o som que o vento traz aos meus ouvidos, um som gelado. As gotículas de água debruçadas uniformemente sobre a janela e um sopro gelado que esfria os meus braços descobertos, junto ao sopro quente do doce de abóbora que lembra o meu passado.

A chuva clareia as idéias de uma mente seca e recorda chuvas em que não estava só. Lembro do seu pezinho sobre o sofá, macio, de tua santa delicadeza comover-me como sempre, comover-me quando escrevo e comover-me enquanto chove. E agora chove. Comovido, lembro da primeira vez em que te vi com olhos incomuns, seus olhos incomuns, incomuns como a chuva que cai agora, sem força ou forma alguma, sem brilho e sem direção, com gotas que tropeçam em gotas e se unem, a chuva que destruíra os sonhos de um domingo divertido, não para mim. A chuva que, garoa fina sobre a vidraça entreaberta da minha sala.

As doses de um álcool imaginário, tragadas de um ar puro me consomem, me entrego imediatamente aos vícios: pensar, escrever e consumir tudo, exceto coisas que viciam. Consumo algo para relaxar e assim busco pensar em você, consumo algo para me aquecer e lembro o que de fato sempre me aqueceu, consumo perfumes enquanto seu cheiro ainda permanece em minha camiseta, consumo altas doses de acordes e todos soam nossas músicas, consumo, consumo e consumo, enquanto o meu único vício real é você. Descubro que não tenho vícios, apenas não te tenho mais.

24 de julho de 2009

Valsemos




O som arrastado em tercinas soa lento, é a fiel valsa, companheira dos apaixonados. Os pares escolhidos à dedo posam para fotos, sorriem para diversos os lados e, agarrados um ao outro, dançam a música serena e romântica que as raízes do destino lançaram.

A valsa desabrocha, enche o espaço livre do salão com seu aroma em palavras, como um violino, dançamos dignos. Tudo que é lindo meu par transcreve em seus passos de anjo: a inspiração dos ventos, a lua que brilhava do lado de fora, as gaivotas que cortam o céu, as espumas do mar e o desejo que tive da valsa ser eterna. Dois pra lá, dois pra cá. O nosso assunto se desenrola a pouco e quando menos percebo estou vidrado em seus lábios que se movimentam enquanto fala, e em seus pés que entrelaçam o meu, em seu vestido longo enroscando no meu paletó, em seu tom de voz. E ouço de sua boca um sussurro que pede perdão por pisar meu pé, não liguei, os pés delicados de uma Cinderela não interferem com dor, apenas com a doçura de uma valsa concedida. Ah, nossa valsa concedida, bela valsa, tem a ternura de uma borboleta e a arrogância de um açougueiro, viaja com turbulência os corações e rostos novos, como o seu.

À pouco a dinâmica alta da valsa rareia e torna-se uma leve finalização. Enquanto o som da valsa é baixo conversamos feito dois tolos, o tom veludo de suas palavras penetra ligeiro em meu ouvido, porém, nada entendo, todo minha atenção torna para seus olhos emocionados e envolventes completando a valsa à esplêndida emoção. O fim da valsa vem com os violinos em nona e o piano leve, tecendo uma escala acidentada e repleta de vida. É o fim da dança e todos os pares espalham-se pelo salão, te espero em clara homenagem. Aquela valsa cessa. A nossa valsa, é eterna.

Imortal



Como todos os que escrevem, escrevo. Escrevo como desenha uma criança que, de seus borrões sem forma, formam para ela algo, algo de valor intenso que pulsa para fora de seu corpo frágil. Tal como escrevo, sinto a doce gota de cada palavra que penetra na língua confundindo assim, os azedumes da vida. Tal como sinto, vejo, a página cheia de uma grafia corcunda sendo completa pelas minhas mãos cascudas e ágeis, seguindo o ritmo do raspar do grafite áspero ao papel amassado. E para seguir uma ordem exata das fases também cheiro, também toco, beijo e me inspiro, me inspiro quando te sinto, quando te vejo, quando sinto teu cheio, me inspiro quando te toco e mais ainda quando te beijo. E me inspiro quando te sinto, e te sinto quando te escrevo, te escrevo quando te beijo, te beijo quando te toco, te toco quando te cheiro e te cheiro enquanto és viva, e para mim, és imortal.

23 de julho de 2009

(H)Ora(r)



Ora! Maldita a hora que escolheu orar.

sem voce




Enfim já é noite, e
o cheiro úmido do orvalho
não sacia a minha sede
de tê-la intensamente.

a noite, por escura, surge
inesperada, de braços abertos
para envolver-me brutamente
com seu medo e solidão.

Ah noite, lembro-me de quando
a encontrei em você, e você amanheceu
apagou-se com a luz de um Sol
que como meu amor, também é sua.

E como as aves você se foi,
sem pensar, apenas agiu, fugiu
abandonando-me sozinho, para
mais uma fúnebre manhã sem ninguém.

13 de julho de 2009

Paralisia



Olho-te pela fresta da parede esburaca do cômodo vazio e vejo tua imensidão. Aquela que quando toco desfaz-se do imenso e esvai para onde meus olhos cansados não enxergam mais. Como o veneno das víboras de um brejo ralo ao morder os pés de uma infeliz vítima, percorrendo pelos vasos dilatados até encontrar a bomba que rapidamente espalhará a maldição para todos os seus membros.

8 de julho de 2009

leves, belas




Velinhas cantarolam seus últimos dias de vida com insultos rancorosos. Os doentes cantarolam com a alegria de ganhar a cura de seu sofrimento crônico. Os fiéis que seguiram o caminho torto, desesperados, porém, esperançosos de um perdão. Grandes artistas, com a dignidade de expressar seu fim com pinceladas habilidosas sobre o esboço à grafite. Os ignorantes, resmungando das perdas do desenrolar de suas vidas mal vividas. As crianças mal pensam em viver, apenas em brincar com suas miniaturas de modelos atraentes e seus carros equipados e muito coloridos de cinco reais e cinco centímetros. Os músicos, com a vontade de viver segundos mais, para chegar até o piano e lançar seu último acorde.

Felizes são vocês que em seu fim cantarolam sobrevoando as águas cheias de vida do alto-mar e, sozinhas com a velha e imensa beleza do amor em gotas esverdeadas.

7 de julho de 2009

O mundo




O Sol, o pé, o nó, o chão, ladrilhos, degraus, carecas, elásticos. O sinal, as fotos, rastros de pombas, velhos ranzinzas, jovens esbeltos, esforço físico, o enjôo. O beco, os passos, as bolsas e o cansaço.

Catastrófica


Como na noite que superei os meus sonhos trágicos e aflitos:

No terraço do prédio mais alto da cidade. Conversava dentro de um quartinho apertado com um tio muito próximo, como em todos os sonhos, não me lembro bem do que se tratava o assunto. Ao lado, uma criança, assemelhava-se com uma prima 10 anos mais jovem da atual, como em uma gravação antiga da família que havia assistido naquele mesmo dia. A criança feliz, dedicava seus minutos à aperfeiçoar suas imitações forçadas de membros marcantes de sua vida, enquanto algumas pessoas sorriam curiosas e encantadas observando até aonde as imitações poderiam chegar.

No velho terraço feito de um só cômodo havia um grande quintal, esse se fazia muito espaçoso e sem segurança alguma, por ter suas extremidades expostas a uma altura capaz de desfigurar uma pessoa em queda. Enquanto nossa curiosa troca de informações desenrolava-se, passávamos do ambiente apertado do quarto cheio, ao quintal espaçoso e vazio do terraço. Privilegiado por estar no prédio mais alto podia enxergar todos os prédios, até onde meus olhos alcançassem. Cautelosamente observava em todos os prédios que, além de todos terem coberturas relativamente iguais, neles também haviam pares de pessoas conversando entre si.

Uma curiosa rachadura no prédio ao lado surgia crescendo rapidamente. Desesperados, os pares dos terraços vizinhos agonizavam quietos. Como todos, pausamos estáticos cheios de medo. Quando bilhões de litros d’água surgiram de algum lugar, talvez outra dimensão, cobrindo todos os prédios até as proximidades do terraço, deixando vivo apenas os habitantes das alturas. Os encantados do quarto de nosso terraço não percebiam o grande acontecimento devido aos gracejos infantis, enquanto praticamente toda a população local da nova-Atlantes submersa em água salgada perdia-se com água nos pulmões, além das que morreram com o impacto da água que surgira a uma velocidade incapaz de ser calculada.

Muitos dos pares já em prantos gritavam nomes de conhecidos que provavelmente teriam sido afogados com a voraz água do mar, gritaram mais ainda quando começaram a reconhecer os corpos que lentamente fugiam da submersão.

Talvez irado por não ter atingido a todos, o culpado de tal catástrofe resolveu imediatamente desalinhar as órbitas de alguns cometas e lançá-los flamejantes de encontro a terra, milhares deles. Impactos surpreendentes destruíam terraços vizinhos e concluíam o que de início já era o fim. Agora, já fronte a morte, clamávamos descrentes uma salvação ou, a salvação.

Como todos os sonhos, não há um epílogo concreto, findam em seu clímax assustador ou quando enfim, seu protagonista está entre a morte e a morte, como as expansivas escolhas que se tem ao assistir um filme de horror.


6 de julho de 2009

Olhos de lua cheia




Cabelos claros que coincidentemente lembram-me fios amarelados de um ouro fino, rosto perfeitamente modelado, com a pele extremamente branca e lisa, lisa como um tecido de seda lançado a uma altura qualquer em direção a lugar-algum. Seu sorriso, sempre plantado em seu rosto delicado, sempre sorrindo para tudo, tudo exceto eu. Seus passos, sobre todos já visto, os mais singelos. Suas pernas, belas pernas. Você, completa como deveria ser, a paisagem cujo sonho desde a infância.