30 de maio de 2009

O gracejo das horas




O dia amanhece e o vermelho do Sol dispersa a escuridão da madrugada. O Sol desperta a cantoria dos animais que vem junto à brisa fria da manhã, as flores desabrocham em harmonia enquanto as aves cruzam céus e arranha-céus. Aquele orvalho que a noite derramou, agora oscila entre as folhas e o gramado do quintal, as nuvens sem forma que por serem sempre diferentes de qualquer objeto conhecido, obrigam a mente a associar a uma imagem que lhe convém.

Se quiser que eu me livre da eterna angústia de chorar o gosto fel que o amor me deixou como presente, então pare o tempo. Sem ele há uma pausa repentina em uma manhã feliz, sem ele ainda há vida. Na pausa valso junto às aves o ritmo da natureza que toca a mais solene das valsas. Com ele me perco no vácuo sideral do tempo, ouço no mar a revolta dos pescadores, sinto saudade em meio à solidão, há tempestade em meu meio, há tristeza em meus gestos, há um lamento de amor.

Se no tempo há amor, tudo é paz
Tudo é manhã, tudo é prazer, tudo é paixão.
Se no tempo há você, não há tempo, só há você.

29 de maio de 2009

Exílio do poeta

Tudo que semeia felicidade e te ausenta de tristes versos, tudo que jura eterno amor e cumpre, tudo que é sólido e não lhe trás falsas esperanças. Tudo que existe, que lhe afaga.
Um lugar que ainda há.

27 de maio de 2009

A borboleta de meus olhos

Um vôo aberto cruzando as entrelinhas de órbitas cruas de jovens sonhadores. Uma breve reflexão do que passa em mentes depravadas de jovens que como todos não passam disso.

Asas batendo rumo ao mundo. O gosto vil que os outros tanto falam, supunha que era falso. Falso? Além das síncopas impostas em meu sábio caderno que transbordam um ritmo contagiante, como o vôo da borboleta. O ligeiro vôo da borboleta, pausado, porém ligeiro. Suas asas supostamente abertas que se assemelham a dois grandes e arregalados olhos em prol da falsa presença do predador. Antenas curvadas em diversas voltas e os pézinhos cobertos de pólen, pronta para fazer seu papel natural.

O vôo não faria sentido sem o pouso. Sutil, arredio, sombrio, ao léu, mergulhado em um foco, como os olhos, como os meus.

19 de maio de 2009

Ainda perdida



E se eu lhe disser que para mim o tempo parou em nosso último beijo?
Que eu a procuro no vazio da madrugada, louco de saudade
E você sempre foge ou nunca está.
Te disser que sempre a vejo na penumbra, quase à luz da lua,
Caminhando a só pelo ermo de meus sonhos.
Onde está você, ainda existe?

Minha fé agora se perde a pouco pelos confins de algum lugar,
Vai como o anseio que existe nos olhos cegos do amor.
Surja em mim como a canção no poeta.
Como a poente no fim do dia.
Como um pássaro a penetrar o ar.

Silenciosa, continua a fugir de meu abraço.
Sempre a vejo
Mais ainda foges de mim.

18 de maio de 2009

Anti-ermo




Uma pequena cidade aonde habitantes constantemente ativos passam velozes, como um centro comercial aonde buscam suprimentos para sustentar o restante do país. De glóbulo para glóbulo:
- Aonde se encontra a artéria principal? Preciso levar a carga para minha cidade rapidamente.
- Fica a duas quadras da Válva Tricúspide - responde o outro glóbulo, apreensivo e aparentemente angustiado.
Longo percurso caminhado e se depara a um grande congestionamento.
É o fim da pequena cidade.

Fulminante.

15 de maio de 2009

O velho sapateiro




O som do alvorecer soa, é o ritmo de uma vassoura que conduzida por um velho varre as folhas de uma rua escura e vazia. Seu cão arranha o portão enferrujado e latindo clama para sair do calabouço em direção a calçada. Após encerrar seu trabalho com as folhas quase diariamente busca couro do outro lado da cidade, forçando a coluna por carregar uma sacola pesada. Agora sua mão direita enrugada pousa inerte sobre um sapato de couro enquanto a outra envolve os lábios quando sua tosse ataca novamente, o velho está no fim. Seu ateliê - um quintal sujo coberto por uma telha esburacada, seus equipamentos ao lado da casinha do cachorro, exposto ao vento frio. Pálido, já sem forças o velho apesar de ter sérios problemas nas artérias do coração encontra saúde para consertar sapatos.

As misteriosas nódoas do passado são as tristezas do velho, que não passam de lembranças: A família, que com exceção da irmã não existe mais, a casa não passa de um cômodo apertado e sempre úmido, a irmã que o obriga a ajudá-la no comércio de sorvetes para retribuir o favor de lhe emprestar uma casa no fundo do quintal, o cachorro que só gera gastos e reclamações pela sua impertinência infindável, a saudade, a ausência, o colesterol, a morte.

O velho assume o mistério de viver escasso buscando em seus sapatos curar a angústia da vida omissa. As noites tão sozinhas, tanto quanto as tardes que lamentavelmente são perturbadas de acordo com a vontade de seu vizinho baterista, tardes perdidas consertando sapatos.

O velho geme à escuridão que decola na noite, a rua deserta borda uma lágrima na velha face álgida, olhos arregalados que focam apenas um ponto, o corpo que parece ter sido lançado contra a cadeira permanece estático, sua pele que já não tinha brilho agora apaga de vez. A respiração do velho sapateiro pende para o lado do precipício e fronte ao desespero, o velho inicia a sua canção uma vez mais. O ritmo de sua vassoura chama o Sol que chama o dia que salva o velho de mais uma noite que o levaria para a eterna solidão de sua morte.

11 de maio de 2009

Volátil





Costumo me desviar do olhar dos que me focam promiscuamente e correr em direção ao inocente. Minto. Um leve escape para fugir da realidade. Fujo, porém em profundas ilusões e sonhos alucinantes: Trago uma marca no tornozelo (um pássaro, para ser mais detalhista) e todos que vivem comigo além dos cães que não estão em suas formas de cães, carregam-na também. Um dia chuvoso e calmo, normalmente me banho de acordes em dias como esses, que sempre me fartam de seu tédio e me deixam arredio, porém há uma diferença por ser domingo.

No domingo a cegueira encobre os fracos de espírito e é completa em seus traidores, uma vertigem que ocorrera pela falta de mundo térreo e excesso de céu e as cláusulas mal lidas de um contrato com Deus agora são reveladas e descobre-se que não há contrato. O poente é visível nos olhos de todos, inclusive dos mais próximos, o desanimo, descaso e tremendo desafeto pela próximo, a dupla face que uma se faz serena e real enquanto a outra é amarga e mais real ainda.

O templo é doce, tão doce que se tornou vil, a presença é necessária, tão necessária que falta e a estabilidade é essa tal falta. Uma novidade? Seria o presságio para domingos melhores.

Age Maria

"Age, Maria
Rasga o teu véu de virgem
Tinge tuas mãos na vertigem do pecado
Maria, ateu ao teu lado
Lanço em teu ventre
A língua que te consagre
Milagre é ser pura em plena incontinência
Sacra é a vida da incoerência
Não quero ser carpinteiro
Pra esculpir cruz que imortalize:
Que não seja eu
Que ao te amar
Te martirize "

-Guinga

5 de maio de 2009

Escurece





O uivo do vento forte que gira no bosque, a estrada de terra que situa-se nos pés de nosso morro, o céu alaranjado do fim da tarde ocupado por um só pássaro que o cruza veloz, belo e pleno. Esse é o quadro da tarde que passamos juntos. Seu aroma transborda em desejo e as palavras agora são desnecessárias, abraço-a em silencio e limpo o barro de sua calça que fora descoberto logo que levantamos e paramos de dar nome as nuvens. Isso não passa de um desejo.

O vácuo de uma noite fria penetra o luar, o som dos cães latindo e das farras desvairadas agora é incômodo. A lua é sempre tão prata, oposto do Sol que se faz claro e brilhante, o alvejar de um casal é a noite, por ser sozinha e escura, livre de telespectadores. Toda a beleza que era a manhã se esvai junto a luz, que agora se tornou breu, os passarinhos que cantavam no topo de uma árvore agora são corujas que se esgoelam em cantorias desafinadas que qualquer perspicaz entende ser um desejo ruim.

A noite é o contexto do pretexto do dia, nela fica seus desejos, seu choro, seus lastimáveis versos de amor, além da saudade, que aperta forte quando a cabeça se põe ao travesseiro. Tudo é inverso, inclusive as juras de amor feitas ao decorrer do dia, a paisagem, a vida. A noite é o negativo do dia, nela, sou o negativo do amor.

2 de maio de 2009

Os mortos matam sua fome

“Eu sou inquieto assim pra dar um corte
E no elo entre a satisfação e a morte
Sou o ofício secreto do veneno
Corroendo o amor”

A angústia, eterna companheira dos espertos e maduros, variou. Ateou-se aos pés da tristeza e clamou perdão por tomar-lhe o lugar em meu peito. A diferença entre as duas pouco importa, em maior, nada importa além de vê-la alucinada caminhando caminho aos meus braços.

No escuro a lua brilha, cegos vem bordar um sorriso para os cansados, nuvens vão passar e a noite avançará conforme a sede dos que temem o negro do fim do dia, que é o prazer dos que buscam a depressão. E eu vou me desfazendo, vou me equilibrando na corda bamba de minha saudade, fugindo da mágoa urbana, retrocedendo a fita.

Ah, moça de meus sonhos, de meus contos e lendas, mata minha sede, meu mal. Sua sede, nosso mal.