24 de março de 2010

Quimera

Abriu-se um pequeno vão na janela do quarto trazendo um filete da luz do nascer do Sol para a escuridão daquele sono. E naquele sono sonhava mais que real:

Alguém pára enroscado com um joelho sobre minha coluna vertebral enquanto meu corpo senta inerte sem nada ver. Sei quem é, e não desejo que saia nunca, mesmo em sonho. Na fachada da casa era um clima a meia-luz, com sombras sem forma propagadas por toda a calçada e rua, que se fazia deserta num raio curto de dois ou alguns mais corpos. Canta de leve sobre meu ombro enquanto eu dormia novamente dentro do sono.
A cena se repete numa cadeia de sonho interminável, enquanto dormia sobre teu afago dentro do afago que já havia recebido algumas vezes. Quando evadi-me dessa sequência perpétua de carinho tive a curta oportunidade de olha-la no olhos. Olhei-a nos olhos enquanto já fitava os meus, e num curto silêncio selei com os lábios a era do sono.

Já não sonhava havia alguns olhares.


"Um desvão ao frio que emborca-se por completo, estirpe do nosso amor.
Ao bordejar do ébrio romance que me assombra de felicidade."

23 de março de 2010

18:41

Todos os vultos me pareciam ser teus. Carregavam tua estatura e forma em meio a meia-luz do corredor. Minha caixa torácica era uma bomba enquanto a chuva contava os últimos segundos bem lentos nas gotas em atrito com o chão.

Casais em diálogos sorridentes, carros na volta ociosa para o lar, a luz de um comércio alegrando a rua toda.
Nada condizia com a verdade. E a verdade era o motivo de tudo.

21 de março de 2010

E a mim.

"Eu sei que de nada sei meu caro.
As aves ainda cantam, mas continuo despistando as vibrações que o canto exerce ao ar."

fragmento de uma epístola
que nunca poderá ser entregue,
pois não diz nada além do que vêem.


- FT

18 de março de 2010

.

Desprecavido. Já sabia que o vento era mais denso no banco mais alto do ônibus, e assim mesmo me assentei. Mantive contato com o vento até que o vento me traiu.
O pulmão rosnava na constância de um relógio de pêndulo, quando não havia mais hora nem espaço para fugir. Vinha como uma onda de ânsia veloz até subir e ser exalado pela boca.

Todos os ouvidos atentos para minhas tosses.


10 de março de 2010

Não faz mal

Os inspetores já trocaram de turno pela segunda vez e parece que o rapaz sempre inerte, está com o mesmo olhar, o mesmo cheiro e o mesmo jeito meigo de ser. O cotovelo direito repousa no espaço entre o joelho e a coxa, com a mão apoiando de leve no queixo coberto de barba, coçando as espinhas que deformam teu rosto. A mão esquerda sustenta boa parte do peso apoiada no segundo degrau da escada e se esbranquiça de força. Suas pernas entrelaçadas atrapalham a passagem ainda com a face soberba para com o resto do mundo. Um sorriso entreaberto e desnecessário assombra de risos todas as demais pessoas. Raras vezes troca idéias como gente civilizada, muito menos como não civilizada. Raras vezes troca idéias. Quando não sentado em qualquer lugar, apóia-se na limiar da porta e sorri para o vento, talvez sorri porque assim vê o mundo, uma comédia entorpecente entre amigos ou desconhecidos. O seu silêncio é uma canção tão rústica quanto a migração dos pássaros, e sua vida é assim, uma migração de idéias que se escondem atrás de cada coisa que ouve, com cada coisa que quer ouvir, com cada coisa que pensa e não fala, sorri.

Sua mãe pode tê-lo criado assim, pode tê-lo não criado, pode apenas tê-lo e nada mais. Quem sabe um dia teve uma descoberta trágica ao ponto de levá-lo ao desconsolo eterno, ao ponto de fazer-lhe pensar que o melhor modo de viver é só, distante de toda a maldade que carrega a mais sublime face do homem, que não faz exceções. Tua vida é uma farsa como todas, uma farsa de fardo oculto que destrói. Cede as instâncias da quietude tanto quanto segue a vida numa estrada longa e deserta, sem ter sequer cavalos pra disfarçar a solidão.

Com o tempo ganhou o que sempre quis: um espaço no vão da sala; na escória da sociedade; no limiar das portas; nos degraus de uma escada pouco usada por comuns. Com o tempo ganhou infinitas descrições diferentes por cada pessoa que o observa nos átimos mais confusos, para cada pessoa que ele sorri escancaradamente.

Um perito no que pratica, profissional de fato em ser só e talvez certo. Sabe-se que não há rumo pro rapaz, como não há para todos que criticam tua aparencia crítica. Falar-lhe não fará de ninguém superior, como não o fará superior, mas não tiro a razão do suicídio que é a única saída, o único refúgio para não passar horas mais vestindo a solidão do mundo que o próprio se ausenta.

"Vestindo uma pele branca pálido, debruça sobre os braços cruzados a testa oleosa e os olhos esverdeados, que descansam-se da mordomia de não carregar ninguém em si. E talvez se carregasse, daria piruetas até que o último abandonasse novamente os únicos risos normais que cantam a boca em tratamento..."


9 de março de 2010

Como ladrilhos

Que eternize em mim o amor pelos teus lábios
Que nada fazem além de serem meus, e meus. Enquanto mordo,
Enquanto selo, enquanto vejo, meus enquanto existem.
E se não existem não há mistérios mais que não existam.
Quando cálidos são mais que a luz e o Sol,
São mais que o mundo eternizado por Deus.
Quando cálidos são fatais como viver só, mais nunca sós.
O espetáculo faz-se em três: doces como o mel doce,
Serenizados como a música natural dos riachos,
Opacos como o som do toque entre madeiras.
Um desvão ao frio: sentir o incandescente toque dos teus lábios
Gelados como o fino do sereno.


Cujo o beijo emaranhado promove calafrios,
durante a metálica desordem de um encontro.

7 de março de 2010

.

Das galáxias longínquas que penso, és a mais brilhante.
dormir pensando e sonhar no que penso,
abraçar à sombra dos planos e viver não mais que curtos versos, amplos de conceitos.

Em tua face viver as mais diversas expressões
Sem que confunda-as em culpa.

3 de março de 2010

desatinar-se

Quando notei que os cães prestavam silêncio estáticos, resolvi mais do que nunca ver o que era.

Era algo que queimava o asfalto com teus passos fumegantes e secava os lagos com teu calor inigualável. Era algo com lábios e bustos, coração e cabeça, raízes na vida. O mundo orbitava no átimo exato. Todos os homens viveram suas vidas iguais, numa longa fotografia que andava. Viveram o mover dos músculos que cada passo movimentava, viveram a ternura de ver passar.

As mulheres piscavam e tentavam não acreditar que seria possível algo mais nobre que o trigo, algo mais quente que a areia ou mais belo que a música. Cegos sentiam um cheiro de rosa, mudos falavam com a alma, os orgulhosos abraçavam e sorriam e os velhos já perdoavam. O céu estava escuro pois a tua luz perdera o sentido, a vontade, a existência. Nada mais valia se aquilo passava. Tinha o movimento estrelar que superava cometas, um terrestre que superava os flamingos e um marinho mais belo que todo o oceano.

Ao golpe dos últimos passos senti selar um silêncio perpétuo, não havia movimento além da brancura das nuvens, o vento invisível e o aroma de sempre. Quando notei que todos os cães latiam e os homens cantavam, que as mulheres erguiam a pestana numa ardente inveja e o verão esquentava o asfalto. Quando notei um frescor subir pelas narinas, o mesmo frescor, o mesmo âmbar que persegue sem apesares.

O mundo jamais deixou de viver, minha vida é que perde o rumo ao te ver.

2 de março de 2010

Brando

Seria bom ser mais claro com as palavras, pra não vomitar sempre em textos curtos e infelizes como todos.

Queria dominar palavras cujo sonho ouvir junto ao meu nome, como numa cantiga ou num estribilho. Dominar palavras como falcões dominam o cume das montanhas, como gaitas no horizonte ou cães nas calçadas.
Queria não errá-las nunca, não haveria dor ou ressentimento, fuga ou desordem.

Dar-te um arco-íris, com todos os duendes e potes de ouro
Dar-te as Luas dos planetas, sem pensar na maré ou escuridão
Dar-te a certeza de tudo em um eu te amo incomum, ruborizado
e sincero, temperado de carícias e momices, temperado de finais felizes.

E o final mais feliz seria um beijo, lento e brando.

1 de março de 2010

perfume;

Uma gota de frio e o seu âmbar me persegue desenfreado pelas noites orvalhadas,
Um perfume que é como o seio de uma colina umedecida, iluminada pelo reflexo nas águas.
O verdadeiro ofício das narinas seria então esse, vive-la mesmo ausente,
Vive-la no vão das roupas que se envolveram, no pescoço que esquecera de largar,
Vive-la na lembrança dos aromas dos lugares e na terra que exala vida.
Não há nada então se em forte vento cheiras bem, pois não sentirei ardente
O doce aroma queimar-me a vida, não sentirei a planta que te habita espargir na voraz correnteza do vento.
Cheirá-la é como ver de perto raiar a primavera junto ao Sol de teus cabelos,
Como abraçar cometas ou desvendar mistérios, como perder-se no mundo sem te perder.
Tê-la é ser a sombra da aurora que vive enquanto o mundo vive, é sonhar além do sonho,
viver além da vida, beijar além dos lábios, ver além dos olhos, tocar além da carne.
Tê-la é sentir aromas que nem mesmo a natureza tem.


24 de fevereiro de 2010

Que marca no relógio

Queria dedica-lo a algum leitor que me dedica entusiasmado, porque a manhã deste dia sem café me deixa mas vago que um quarto oblongo sem janelas. E os culpados não seriam as janelas que não existem ou o café não consumido. Culpe-se se quiser, mas não conheço o meliante que acinzenta o meio-dia. Se é um meliante ou o vento, um inseto ou uma música, não sei, mas sei que é escuro como um quarto oblongo sem janelas. Pensando bem, não há necessidade de janelas se tudo já é cinza, se tudo já é triste como as frases de um epitáfio. Na verdade essa manhã me lembra mais um epitáfio, lascado a mão com flores murchas e baldias, marcado o "Aqui jaz" de sempre, que sempre jaz na eternidade da morte.

Queria dançar ao túmulo dessa manhã quando o Sol desabar as três da tarde, quando as pombas almoçarem os almoços esmiuçados no chão e o cinza se tornar alaranjado como um poente esfacelado no céu.

Dedico isso a alguém que não tem os olhos da amada pelas manhãs mesmo de longe, alguém como minhas manhãs, álgido mesmo em meio ao calor e cinza em meio a atmosfera ensolarada. Dedico aos que não amam como eu, ou aos que amam mais que eu. Dedico aos que se culpam pelo cinza, que estão certos pois se culpam. Dedico a geografia e a língua portuguesa, pois me deram tempo e espaço para escrever.

Dedico ao frouxo brilhar dos meus olhos
Me dedico, pois se pelo contrário, tudo acaba em trevas.

23 de fevereiro de 2010

humanidade

Horas perdidas em abismos
Em abismos flutuantes de areia
Cujo surgem lírios e sereias,
Cujo sonho sem dormir.

E quando sonho vejo.
Sem olhos se quer, vejo
Vejo cintilantes criancinhas
Que dormem satisfeitas.

E dormem trapaceadas
pela próprio sono
que fraudou a fome.
Satisfeitas, porque dormem.

A verdade é justa:
Como a primavera que da rosas
Como magros riachos
Como sonhos inconcretos.

Tão justa quanto merecemos estar vivos.



10 de fevereiro de 2010

vão

No desfiar do texto
aponta a rara
poesia
de quimera.

Esmiuçando a poesia
em lascas
luminosas
de libélulas.

No decorrer
renascem
as nódoas do mistério
Em panteras.

Ah, os mistérios
Quantos deles
Quantas nódoas.
Deslumbro de arara

percorrendo o céu, azul.

8 de fevereiro de 2010

.

Urros as dúplices promessas.

prejuízo

Servia de espetáculo o balbuciar dos meus lábios.

A paisagem era um sofá e não muito mais que isso (exagerando, havia uma televisão a frente, uma mesa de jantar e suas respectivas cadeiras ). Foi isso o necessário. Um colo dos mais dóceis encoberto pelo jeans cheiroso que distanciava-nos a carne -a última lembrança- . O último toque.
Fui rei à penumbra do corredor que separava os cômodos e separava a noite ardilosa do restante do dia. Fui rei à regurgito.
Quantas horas mais podíamos ter vivido a Lua juntos?
Quantas lágrimas rolaram de goelas ou olhos numa só noite?

Sempre pensei que vê-la duplamente era de amor.
O sexto copo seria prejudicial.


3 de fevereiro de 2010

Chuva urbana

A fragrância molhada que rastreavam as minha narinas era sinal de uma densa chuva que estava por vir. As formigas estocavam-se e os pássaros sumiam aos montes no ermo do horizonte. Os cães sem dono esperavam com clareza o início da chuva e de seus entraves. Cada ser vivente via sobre si o céu fechado, como se fôssemos prisioneiros das nuvens e condenados a uma morte fria e úmida. Vê-se de tudo, pipoqueiros e mendigos em união.

Uma tarde escurecida corrompida pela falta de Sol ou pelo excesso de neblina. Por outro lado, via-me num cinema real, onde todos exercem o papel fixo de resmungar ou dialogar com estranhos, seja por bem ou por mal. Sem motivo algum, no anteceder da chuva, as expressões variam em todas as faces. Os lábios contraídos para alguma diagonal, significam, creio eu, que algo dói ou molha, algo propõe calafrios, entre inúmeros gestos que se repetem na chuva.

Frias gotas se espargem tímidas pela cidade, e a cidade busca refúgio depressa em bares, botecos, pequenas lojas de construção. Agora estava tudo horrivelmente dominado pelas águas. Um mendigo e um estagiário põe-se a dialogar pois ocupavam o mesmo espaço, a frente de um sacolão. Como já se esperava, a conversa tem seu fim à chegada do ônibus (de vidro embaçado, com cara de lotação, que até mereceu um parênteses) e o jovem bem vestido se vai para o conforto que o mendigo só terá após a morte. O jovem chegará com o paletó em sua casa, fremio, tomará um banho quente e repousará até que o chamem para o jantar. O mendigo aguardará nas forças da chuva algo para comer. Ainda assim não pára.

Algo me diz que por longos dias as praças serão inóspitas e no céu reinaram as gotas transparentes que caem sutis como pétalas. Os amantes amarão a chuva e a chuva pesará sobre a terra. O arco-íris não se exibirá, pois o Sol dorme como um bêbado. A aurora será poente e o poente castigará a cidade sem seu breu alaranjado. O subúrbio será triste em vão. Mulheres salvarão seus filhos.
Mendigos dormirão molhados.

31 de janeiro de 2010

Repito

Repito: nesse ambiente e estado não repito nada além de bufas. .... -bufas-
E as bufas são inteligentes variações íntimas de rumores, que se escondem atrás de ar, e de ar faz-se esse som opaco e sínico.
[A repetição varia. Em vezes]

Espero que tudo se torne um espasmo criativo expectorado dos brônquios.

29 de janeiro de 2010

complexo

Não beijá-la apenas, mas olha-la em penca. Cristalizar teus olhos no mais alto brilho que oferece o céu que é o teu refúgio. Me focar no olhar de quando filma o horizonte a nossa volta.

Teus pezinhos, coitados, cobiçados pelos cem da centopéia, são mais belos até em pegadas. Mantém-se extática nos olhos e nos teus olhos me extasio.
Não há explicação humana.

27 de janeiro de 2010

Quase maior

Outros dias virão e os janeiros farão de foices, doces gomas de mascar.
A paciência será petrificada e dela surgirão arranha-céus.
As estrelas de uma noite tornarão o Sol do que segue.
Tudo habitará na dúplice primavera dos amantes.
Um só coro esparge as letras de teu nome, um adeus encoberto de névoa, povoado pela súplica da terra.
-Feliz aniversário, melhor dizendo.

Viver nas criaturas secretas do teu beijo.



22 de janeiro de 2010

Morticínio

O Sol que estertora e ilumina os becos não mais escuros, ilumina os vendedores de mandioca que são como pernilongos no verão e as mandiocas, o sangue humano . E acrescento que: o sonho do Sol era não brilhar, e que em apenas diferentes átimos liberasse um feixe de luz difusa para o centro da Terra.

O sol para nós é como uma árvore para uma formiga, e para a árvore o sol é o mesmo sol que o nosso. Para o universo não passa de mais um astro em chamas.

Tudo varia em proporções.


21 de janeiro de 2010

Rua de cristal

É desnecessário reproduzir a paisagem neste arabesco, porém, inevitável não dizer que aqui o Sol jaziu tarde e assim mesmo as noites são longas como as tardes no deserto. Uma ave vermelha, típica de nossas matas, está sempre à espreita com seu corpo inerte de madeira podre. Nada mais importa exceto minhas discordâncias.

É tão vago saber que entre inúmeros nomes, o escolhido fora "Rua de cristal", sendo que mesmo bela, a rua não se equipara à altura. É feita de pedras despojadas que arranham pés, rodas, patas. Os cristais feitos de qualquer algo sólido e cristalino que luza em todos os ângulos, sem lascas ou imperfeições. A única comparação aceita seriam os olhos, ainda que muitas vezes imperfeitos, mentirosos, sonolentos, sendo os maiores representantes de nossas mentes uniformes.

Talvez então, cristal fora o nome de uma moça envolta pela morte, que significou de fato muito para a construção da velha rua. Quem sabe cristal seja uma metáfora criada para substituir "cinzas" dessa moça que não necessariamente mais deveria se chamar cristal. Ou cinzas das casinhas e das crianças que queimadas em seus leitos, gemiam sobre as chamas ardentes de algum crime culposo, intencional, ou morriam aos pés de um simples desastre natural.

Uma rua de cristal seria um despudor para as vistas, seria com toda a certeza a rua em que menos roubariam jóias das madames e sim, roubariam grandes lascas do chão da rua. Seria um longínquo e retilíneo ermo. Inabitável. Cada azulejo valeria o infinito e nela morariam deuses ou semi, desses falsos deuses. Os carros deslizariam como deslizam patinadores em treinamento, desordenados e incontroláveis.

Enfim, a madrugada agora cai silenciosamente em cada casa da rua, que por muitos motivos não deveria receber o complemento "de cristal" e sim seguir sozinha com seu primeiro nome. Gramado brilhante reflete o lume das luzes numa noite como tal, que banha seus viventes com frias gotas de cristal.

19 de janeiro de 2010

noites mal dormidas



O que os astros te disseram quando, afoita, cristalizou todo o espaço?
O que te sussurraram os peixes quando submersa no pélago?
O que cantaram as aves no céu em teus louvores?
Te juravam, cantavam vivas, te elogiavam, eram rumores?
Rumores que idealizam teus encantos, que contentam os teus lábios, que aprisionam teu amor.

Não perca nunca a soberania dentre as outras, o seu horizonte incalculável de perfeições. Não perca nunca tua embriagante voz, seus dramas efêmeros, seu ar de natureza. Teus cabelos são como uma cascata natural, e de natural tem-se completa, cada filamento de teu corpo. Tem em si fumegantes rosas despetaladas, que exalam o aroma de um campo, és um tênue riacho, onde habitam peixes e as aves se fartam, onde a margem é coberta de árvores, como um guarda-Sol vivo.

Te quero em cada gota de uma chuva, e que dancemos na chuva, com a música que as gotas tocam no teu corpo

16 de janeiro de 2010

soneto fremio

Hoje amor, patina o tempo em mera saudade
mesmo ainda perto, sem que as trevas nos separem.
Hoje penso em ser o que não fui ontem, e que apesar
dos muito apesares, romperei tudo por ti.

Romperei tudo porque muito te amo; sobre e além
dos náufragos em alto mar; dos exaustos viventes;
dos exaustos falecidos; das ladeiras povoadas;
da qualidade ardente de Vinicius.

Te quero pois assim Deus quer, sem refugar.
Apenas quero viver o essência que há em ti,
toda essência dos teus olhos, sem mais.

Seus olhos submergem no oceano quando quietos,
num oceano límpido e álgido, aflito
e cheio de vida: que tanto quero mergulhar.

depois foi só

Quão em vão fora tudo se num longo ermo não pude beijar-te.
A distancia revestia-nos ainda mais com uma couraça inexistente:
de dúvidas.

Quem sabe teu sorriso apenas possa encharcar todo o deserto
se a estrela do amor agora conta as memórias sobre um túmulo.

Perdoe a brisa, por te enganar em silencio.
Perdoe os livros, que te passam segurança.
Perdoe a estrada, que separa em trevas.
Perdoe o mar, por soar sempre bem.
Perdoa-me, por ser um cadáver necrosado de amor

13 de janeiro de 2010

vejo;



na crista das ondas a passagem do ano em forma de espuma, tocando meus pés que tocam a macia areia da praia, desviando o olhar e os passos perdidos. Cada passo, a marca que desenha todo caminho já percorrido, com passos desalinhados e pegadas quase sutis.
A saudade salga onda a onda o meu corpo desalmado, de sujeira, de fetiches, de lembranças.
Meu mar ressoa como apitos de carnaval.

Nos sonhos, passos que ainda nem dei.

10 de janeiro de 2010

outras águas

Um dolorido ataque pancreatico atormenta há dias um alguém que muito importa. Uma ferida entreaberta talvéz, a consequencia de algo digerido. Muitos rumores a respeito de tudo: cirurgias, soros, internação.

Eu agora me vejo no reflexo de um óculos, pirateado sem dúvidas, e tenho que levantar para que as próximidades de meus pés sejam varridas.

De nada adianta os bons elementos que me faziam tão bem - o quente bafo marinha; a compania agradável; a saudade que percorre as minhas veias; a rede no swing do vento -
Se a doença enredou a história em cinzas.

9 de janeiro de 2010

cereal do dia

É tanta onda que, tão baixas resfriam as despidas canelas do povo.

Vejo esfumaçado teu corpo indo de encontro as águas salinas da praia. Teus pés chutando a água cristalina da quina do mar, desnivelando a areia e o tempo. Tua audacia ao deixar as águas, com os pézinhos sujos. As unhas oblongas tentando se desfazer da areia armazenada.

Assim teces minha saudade, como um pássaro tece a linha do horizonte, perdido no litoral, arredio no eterno verde que observo da rede.

2 de janeiro de 2010

frio




Quando quase esqueço de teu rosto, me lembro de teus pés
então recordo de tu'alma, onde busco tudo que busco.

Todavia, atento o infinito à tua beleza,
são as estrelas que só teus olhos vêem.