31 de agosto de 2009

Teus sentidos



Quando nossos olhares distantes enfim se encontram, desfazem-se avermelhados e disfarçados com um sorriso apenas. Sempre que sorri, sorrimos juntos sem que ao menos você saiba, sempre que depressa pranteia o vazio de teu peito, choramos juntos sem que veja as lágrimas que escorrem pelas minhas mãos. Outra vez nos encontramos em olhares, e, a sombra de teu lábio abre-se espontaneamente em idéias tão belas que corrompem além da alma, a consciência que nunca tive ao teu lado.

As partículas de teu aroma de morango encobrem o mundo e o submundo, incendeiam o universo paralelo que há em cada som que lança na perseguição desvairada de fazer-me amá-la. Respiro e espiro os resquícios do que ainda vagava pelo espaço em que passou ligeira, passou e mais nada. Respiro ainda mais a sobra do que deixou plantado em teu espaço, enquanto trocávamos além de palavras, inocentes segredos absolutos.

Todos os dias és a favorita. Todos os dias que te abraço, não há tempo ou espaço, duração ou caminho, apenas teu abraço, que sem ele, não teria nada. Todos os dias flutuo em meu próprio pensamento que, quem conduz é você. Todos os dias enquanto dorme teu cansaço, te sonho no meu. Todos os dias entendo o sinal de teus lábios que negam os meus. Todos os dias encerro te olhando de olhos fechados. Todos os dias são poucos só de te ver. E suas derradeiras palavras são as mesmas todos os dias, e cada dia mais me encanto por elas.

27 de agosto de 2009

Voa, voa joaninha


A transparência da janela me permitia seguir os passos lentos da joaninha que caminhava, lenta ou morta de cansaço. Teu corpinho gordo se arrastava sutilmente pela vidraça do banco individual do ônibus, se arrastava mesmo com o voraz vento que contra o casco colorido batia sempre que o ônibus acelerava. E paramos no ponto. Sempre que possível movia-se para cima, na esperança talvez de entrar pela janela aberta. O ônibus volta a correr.

Seguia atento teus passos e tuas patinhas meigas que provocam a leve sensação de que tudo que se diz joaninha deveria ser lançado para o diminutivo, teus vários passos que percorriam centímetros de distância. O ônibus repousa bem próximo a faixa de pedestres, e em desfoco, sinto ser observado por uma senhora enrugada que, sentada na frente do portão, em uma cadeira que balançada o ritmo de pernas obesas cochilava de olhos abertos, observava explicitamente curiosa o que eu observava. Sorri para a velha, a velha sorriu para mim. E nossos olhares de desmancharam quando o farol se abriu. A pequena joaninha desfilava tuas pintas pretas para o mundo ingrato que havia tomado teu espaço. As asas abertas pareciam quebradas contra o vento, se mexiam como numa dança extasiada e natural das folhas das árvores altas.

E uma evidente decisão foi tomada pela joaninha, ela se desfez dos entraves que lhe repugnavam a volta para a natureza e voou espessa. Tive a imagem de um ponto escuro se apagando sobre as casas humildes de meu bairro, o ponto que sumiu quando se pôs em frente ao Sol. Teu corpo avermelhado e coberto por pintas negras se misturou com o incolor do infinito do céu, se misturou com as nuvens claras e abstratas que vagavam limpas pelo ermo do espaço sideral.

26 de agosto de 2009

Arco reflexo


O corredor da sala, muito estreito. Um espelho que quando me vejo tenho uma impressão claustrofóbica, rente à parede branca que tem servido, e muito, como condomínio exclusivo para aranhas. A prateleira, posta no topo do cômodo, tornando-se pouco visitada pelos moradores da casa. Ao lado, a luz, com sua força abduzida pela prateleira que bloqueia parte de seu reflexo e sombreia o corredor apertado. E a penteadeira completa por tranqueiras esquecidas em momentos de pressa, com um espelho, sobrepondo parte do outro espelho.

Também há um armário, semelhante à torre de piza, inclinado como um velho carregador de sacos de feijão aposentado, o armário ocupa boa parte da pouca área que resta da passagem. Com quilos e mais quilos de livros impostos à força o armário permanece estável e vasto de lembranças adoráveis dos brinquedos que guardava em seu interior empoeirado e sinistro, como o crânio fictício que vive largado no alto de teu frágil corpo amadeirado.

Cheguei ávido, acelerado, e me deparei a um silêncio intenso e agradável que soava no corredor alérgico de limpeza. E tudo era o pretexto da inigualável dor que seguia naquele episódio, tudo era fato para averiguar se meu pé macio era mergulhado em algum tipo de metal resistente.

Já ofegante, perdi o equilíbrio nós pés da penteadeira e logo mais o encontrei nos braços do estorvo que era o armário, e devido a leve descontração, meu corpo ainda não havia encontrado o real repouso e seguia em frente desenfreado até o outro extremo no armário, quando num opaco som de madeira fina minha raiz nervosa dorsal transpassava veloz a mensagem enviada pelos nervos aos músculos que completariam o arco reflexo.

O universo que girava silencioso, agora é conduzido pela voz que pressupõe maldições sobre o encontro dos meus pés com os do mortífero armário empoeirado.

25 de agosto de 2009

Peso morto



Nem a cor das luminosas plantas da minha imaginação ou os discos que um dia ouvi, tem a presença do silêncio que tanto falta. Nem o topo nebuloso de um pico e nem o extremo fundo do oceano gelado tem o mistério que um dia teve. Nem o doce pleno dos lábios morenos apaixonados ou o mel colhido artesanalmente, transmitem o sabor que não mais existe. Nem a nudez ou o céu azul, a maçã ou o pêssego, o colar de ouro ou a pedra preciosa.

E tudo vive um redor isolado, tudo cheira um cheiro entupido, tudo confia na inocência mansa, tudo copia o que já foi copiado. E eu, declaro sem motivo algum a ausência de nada, declaro o pacato que transborda aí a fora. Apenas me falta faltar algo, para que a falta esvazie meu peito de companheiro.

Quero mudar o mundo. Quero dominar a arte que me foi imposta. Quero ajudar alguém que como eu, precisa de ajuda, e assim ajudar-me a completar o que quero. Quero parar de escrever asneiras sobre nada e quem sabe, escrever o que um dia de fato valerá algo.

E em verdade, meu único desejo real, meu único anseio distante... é ser válido.

24 de agosto de 2009

Você foi




Minha canção morreu em um silêncio constrangedor. Só espero eu, não morrer sem antes visitar o teu verão.

...E não voltou

19 de agosto de 2009

E ontem...



...Passava como em um sonho de mil fantasias reais. Na festa, no teatro, em teu colo vasto de lembranças. Na esperança, na vontade e na incerteza que nunca acerta nada.



18 de agosto de 2009

Recanto do Sol


Recanto do Sol, dizia a fachada do condomínio de prédios. Horário de almoço, a fome me ataca sutilmente enquanto espero o ponto mais próximo de casa .E o ônibus deslizava lento sobre o trânsito da avenida escurecida. Os carros buzinavam em extremo silêncio. A escola parecia vazia por não ter barulho algum. Os pedestres surdos-mudos faziam mímicas para comunicar-se. O vento dialogava com o leve balanço das poucas árvores espalhadas. Os celulares vibravam. As flores já murchas. O Sol dormia em pleno horário de trabalho, vulgo dia nublado.

17 de agosto de 2009

Cena de teu drama VIII

Trago-te flores do campo meu amor,
flores de um vivo e intenso azul anil
azul como o céu e como olhos, não os teus,
como a verdade de quando não mentes.

E sempre irradia o Sol com luz e calor
resplandecendo o lírio que tu possuis,
resplandecendo teu olhar de choro
e as lágrimas que viajam teu rosto nu.

Olhe o velho bosque já sem céu nem apelos,
sem ti, que lanças o lírio para longe.
Sou como quem um dia já morreu de dor,

como fim de comédia sem aplausos e risos,
a crua comédia mal sucedida de teu drama
o horror de tua dramaturgia mal interpretada.

13 de agosto de 2009

Hoje VII



Hoje é hoje, calor ou frio é sempre hoje
é, pois a madrugada declarou isso ontem,
ontem que há horas atrás também era hoje
como em horas amanhã também será.

Hoje corre livre pelo tempo eternamente,
por ser a mais exata referencia da história.
Hoje acontece o que o amanhã carregará
sendo chamado de hoje por um dia existir.

É hoje e enquanto pode ser será, até que mude.
Foi ontem hoje e já deixou de ser pois hoje começou.
Será amanhã hoje com o fardo de todo agora.

De nada vale afobar-se para o fim do dia
tanto quanto o anseio pelo amanha pois,
hoje será eterno, luas vão passar e será hoje.

11 de agosto de 2009

Rafaela VI

Rafaela, soa leve e opaco como ondas
e tece uma linha abstrata de risos em seu fim.
Nasce dos frutos proibidos as letras
que carrega teu nome de flor silvestre.

Teu amor confundido em amizade vibra
o longo caminho seguido até um abraço.
E seguido do abraço vem o áspero amor
que esquenta as manhãs geladas ao teu lado.


Sinto verdade em tua amizade grosseira
e carrego-a sempre eu meus pensamentos.
Tua voz penetrante e irritante vaga sempre,

vaga em seu sorriso escandaloso e lindo,
em seu silencio constrangedor e raro,
em teu carinho bruto, que tanto amo.



10 de agosto de 2009

vasos inseguros V


Amor meu, dona da cidade de meus sonhos,
borboleta colorida da floresta de outono,
teu perfume revive o vácuo das plantas e
destrói as parasitas que infestam o jardim.

Passa o lodo ao ofício do tempo, passa
e teus olhos inquietos perseguem outro.
Quando noites a fora eu, sábio estabanado
jurava a mim o teu calor intenso e desejável.

Dias de alucinação, noites em branco, orações
e o medo de ser enganado pela isca que há
em teus anzóis de beijos. E entre os amantes

celestes que já te amaram, os poetas da noite
de sutis lábias engasgadas, serei apenas um mais
em sua trama trapaceira. Não tramas, são meus olhos.

O canto das flores IV


De teu jardim surgem as mais belas flores,
De tua alma as mais dóceis canções,
De teus olhos a imensidão do azul noturno.
As flores cantam dóceis a tua noite de sono.

Das flores, o correto aspecto de cantar seu nome,
de viverem da tua chuva, de seguirem teus passos.
A primavera regressa e já murchas as flores
somem infelizes cantando o adeus de teus olhos.

A lágrima que escapa do seu globo escorre
e lenta percorre o caminho te sua face branca,
quando enfim se cai sobre o jardim morto.

A terra te rouba voraz para baixo, quando
das velhas flores mortas surge uma floresta,
cheia de vida. Eis a recriação do mundo.

8 de agosto de 2009

Foi, és e será III

Eu me esqueci que o Sol nasce contigo
e que as aves clamam teu sopro quente.
Me esqueci também dos teus olhos
e dos teus lábios que nunca foram meus.

Porém não me esqueço de tua ternura,
não me esqueço dos teus fios de ouro
e da breve linha que percorre tua voz
até soar solene em meus ouvidos.

Amor meu, ainda não és minha o quanto
sou teu. Ainda não és filha de meu sonho,
como sonho ser dos teus sonhos e pensamentos.

Talvez não tê-la é ter-te bem pouco,
seja entre teus olhares e gracejos
ou em meus sorrisos avoados para os teus.

7 de agosto de 2009

Aos teus cabelos de Sol II

Respire para que eu possa respirar,
ande para que eu te acompanhe,
durma para que eu te observe,
viva para que a vida valha.

Seus lábios molham sortidos os meus
como se num sonho de toques precisos.
Tua pele de maçã preciosa busca refúgio
e vivo como uma fortaleza indestrutível.

E as horas vagas vagam já raras
no tempo que só há tua voz de lírios,
lírios que uivam teu nome de flor.

Nem o ouro nem a noite reluzem como tu,
nem a realidade que escrevo é real,
apenas a de te amar como quem respira.

4 de agosto de 2009

Venta mais I



A ventania assombra os canteiros da cidade
carrega junto, as folhas, flores e canções entoadas.
Pesa como uma garoa acelerada que transpassa
das doses de finas gotas esquecidas pelas nuvens,

para o chão encoberto de flocos de gelo derretido.
Vive como quem não vive só, vive infeliz,
a praguejar as malditas poeiras impostas.
Envelhece enquanto viva e se faz jovem à sua
tardia volta]

Sobrepõe-se a morte que carrega em doenças e
barracos derrubados. Vento que venta a ventania
volumosa, que não varia e vejo, como não vario os Vês.

Palavra invisível que carrega palavras em seu desenrolar
gelado ou refrescante, em sua órbita abstrata e, constante,
como a velha seringueira que dança tua música agradável.