21 de janeiro de 2010

Rua de cristal

É desnecessário reproduzir a paisagem neste arabesco, porém, inevitável não dizer que aqui o Sol jaziu tarde e assim mesmo as noites são longas como as tardes no deserto. Uma ave vermelha, típica de nossas matas, está sempre à espreita com seu corpo inerte de madeira podre. Nada mais importa exceto minhas discordâncias.

É tão vago saber que entre inúmeros nomes, o escolhido fora "Rua de cristal", sendo que mesmo bela, a rua não se equipara à altura. É feita de pedras despojadas que arranham pés, rodas, patas. Os cristais feitos de qualquer algo sólido e cristalino que luza em todos os ângulos, sem lascas ou imperfeições. A única comparação aceita seriam os olhos, ainda que muitas vezes imperfeitos, mentirosos, sonolentos, sendo os maiores representantes de nossas mentes uniformes.

Talvez então, cristal fora o nome de uma moça envolta pela morte, que significou de fato muito para a construção da velha rua. Quem sabe cristal seja uma metáfora criada para substituir "cinzas" dessa moça que não necessariamente mais deveria se chamar cristal. Ou cinzas das casinhas e das crianças que queimadas em seus leitos, gemiam sobre as chamas ardentes de algum crime culposo, intencional, ou morriam aos pés de um simples desastre natural.

Uma rua de cristal seria um despudor para as vistas, seria com toda a certeza a rua em que menos roubariam jóias das madames e sim, roubariam grandes lascas do chão da rua. Seria um longínquo e retilíneo ermo. Inabitável. Cada azulejo valeria o infinito e nela morariam deuses ou semi, desses falsos deuses. Os carros deslizariam como deslizam patinadores em treinamento, desordenados e incontroláveis.

Enfim, a madrugada agora cai silenciosamente em cada casa da rua, que por muitos motivos não deveria receber o complemento "de cristal" e sim seguir sozinha com seu primeiro nome. Gramado brilhante reflete o lume das luzes numa noite como tal, que banha seus viventes com frias gotas de cristal.

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