3 de fevereiro de 2010

Chuva urbana

A fragrância molhada que rastreavam as minha narinas era sinal de uma densa chuva que estava por vir. As formigas estocavam-se e os pássaros sumiam aos montes no ermo do horizonte. Os cães sem dono esperavam com clareza o início da chuva e de seus entraves. Cada ser vivente via sobre si o céu fechado, como se fôssemos prisioneiros das nuvens e condenados a uma morte fria e úmida. Vê-se de tudo, pipoqueiros e mendigos em união.

Uma tarde escurecida corrompida pela falta de Sol ou pelo excesso de neblina. Por outro lado, via-me num cinema real, onde todos exercem o papel fixo de resmungar ou dialogar com estranhos, seja por bem ou por mal. Sem motivo algum, no anteceder da chuva, as expressões variam em todas as faces. Os lábios contraídos para alguma diagonal, significam, creio eu, que algo dói ou molha, algo propõe calafrios, entre inúmeros gestos que se repetem na chuva.

Frias gotas se espargem tímidas pela cidade, e a cidade busca refúgio depressa em bares, botecos, pequenas lojas de construção. Agora estava tudo horrivelmente dominado pelas águas. Um mendigo e um estagiário põe-se a dialogar pois ocupavam o mesmo espaço, a frente de um sacolão. Como já se esperava, a conversa tem seu fim à chegada do ônibus (de vidro embaçado, com cara de lotação, que até mereceu um parênteses) e o jovem bem vestido se vai para o conforto que o mendigo só terá após a morte. O jovem chegará com o paletó em sua casa, fremio, tomará um banho quente e repousará até que o chamem para o jantar. O mendigo aguardará nas forças da chuva algo para comer. Ainda assim não pára.

Algo me diz que por longos dias as praças serão inóspitas e no céu reinaram as gotas transparentes que caem sutis como pétalas. Os amantes amarão a chuva e a chuva pesará sobre a terra. O arco-íris não se exibirá, pois o Sol dorme como um bêbado. A aurora será poente e o poente castigará a cidade sem seu breu alaranjado. O subúrbio será triste em vão. Mulheres salvarão seus filhos.
Mendigos dormirão molhados.

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