27 de julho de 2009

A farra



Uma tênue luz solar ainda domina grande espaço no horizonte infinito da cidade. A porta suja de um bar, fechada como sempre. Os ambulantes finalizando seu trabalho e contando seu lucro, resultado do trabalho intenso do dia todo. Os donos das lojas locais batendo com força as pequenas portas de alumínio contra o chão. Os mendigos, estáticos, apenas com suas canequinhas para armazenar o dinheiro conseguido ao longo do dia. Os compradores felizes e infelizes, satisfeitos e insatisfeitos ao mesmo tempo. As velhas costureiras, que vendem seus tecidos bordados, conversando entre elas e arrumando seus carrinhos para voltar para casa. Agora, a noite vem a pouco tecendo uma linha escura no céu e como em uma cena de cinema, os participantes dessa paisagem semi-noturna dominam a rua, visto de frente como um desfile do exército, esbanjando organização e ordem. Ouvem fortes estalos, é a porta do velho bar se abrindo.

A lua já tão próxima, ofuscando o reflexo do Sol e refletindo-o para a rua escura, tornando-a uma rua clara e cheia de vida, como um jardim em plena primavera. E agora, eufóricos, os passos do batalhão de cidadãos causam um estrondo sincronizado. Quando todos se desligam e com olhares fixos para frente, param. Feito cimento concretizado.

Um chiado cisca os ouvidos atentos do batalhão de estátuas, é a vitrola do velho bar soando. A curiosa cena de cinema agora se desfaz, a organização e a ordem tornam-se vadiagem e boemia.

Os cidadão em sincronia atiram-se para todos os cantos da rua, correndo feito loucos, e como jovens delinqüentes berram e quebram as vidraças das lojas sem portas protetoras. Agora fora de sincronia. As velhas costureiras são as primeiras, arrancam suas roupas por completo e vibram sem motivo algum, urram e despedaçam suas peças intimas, tornando-as como retalhos recortados, as banhas pulando, nojentas velhas. Todos os homens embebedam-se loucamente e atingem-se com as garrafas de vidro quebradas. A música baixa da vitrola se transforma em uma batida contagiante que leva todos os personagens a dançar, histéricos e apaixonados.

Agora todos nus, deitam e tornam do chão um grande colchão. Como era de se esperar, amam-se atirados no asfalto áspero. Como se na grama, rolam um sobre o outro marcando de vermelho as partes do corpo que raspam vorazmente no chão. Todos farreiam, exceto o dono do bar, que mantém a postura ereta e de braços cruzados na porta de seu bar agora aberto, cheio e infestado de malucos.

Aquela suculenta farra parecia ser eterna, até que da noite surge uma luz alaranjada, era o Sol. O dono do velho bar desliga a vitrola lentamente, todos os cidadãos tornam-se estátuas novamente. Após alguns minutos carregando os corpos inertes para fora do bar, fecha as portas e desaparece.

Todos voltam a si e, pasmos desviam um dos outros procurando desesperados suas roupas largadas pela rua. Os olhares incessantes e duvidosos, o desespero de ver-se nu em público e a falta de vontade para trabalhar em plena terça-feira de manhã. A rua começa a encher.

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