15 de maio de 2009

O velho sapateiro




O som do alvorecer soa, é o ritmo de uma vassoura que conduzida por um velho varre as folhas de uma rua escura e vazia. Seu cão arranha o portão enferrujado e latindo clama para sair do calabouço em direção a calçada. Após encerrar seu trabalho com as folhas quase diariamente busca couro do outro lado da cidade, forçando a coluna por carregar uma sacola pesada. Agora sua mão direita enrugada pousa inerte sobre um sapato de couro enquanto a outra envolve os lábios quando sua tosse ataca novamente, o velho está no fim. Seu ateliê - um quintal sujo coberto por uma telha esburacada, seus equipamentos ao lado da casinha do cachorro, exposto ao vento frio. Pálido, já sem forças o velho apesar de ter sérios problemas nas artérias do coração encontra saúde para consertar sapatos.

As misteriosas nódoas do passado são as tristezas do velho, que não passam de lembranças: A família, que com exceção da irmã não existe mais, a casa não passa de um cômodo apertado e sempre úmido, a irmã que o obriga a ajudá-la no comércio de sorvetes para retribuir o favor de lhe emprestar uma casa no fundo do quintal, o cachorro que só gera gastos e reclamações pela sua impertinência infindável, a saudade, a ausência, o colesterol, a morte.

O velho assume o mistério de viver escasso buscando em seus sapatos curar a angústia da vida omissa. As noites tão sozinhas, tanto quanto as tardes que lamentavelmente são perturbadas de acordo com a vontade de seu vizinho baterista, tardes perdidas consertando sapatos.

O velho geme à escuridão que decola na noite, a rua deserta borda uma lágrima na velha face álgida, olhos arregalados que focam apenas um ponto, o corpo que parece ter sido lançado contra a cadeira permanece estático, sua pele que já não tinha brilho agora apaga de vez. A respiração do velho sapateiro pende para o lado do precipício e fronte ao desespero, o velho inicia a sua canção uma vez mais. O ritmo de sua vassoura chama o Sol que chama o dia que salva o velho de mais uma noite que o levaria para a eterna solidão de sua morte.

Um comentário:

  1. Putz preto, muito bom cara...muito bom mesmo,já dá pra fazer um livro,hein!?sem brincadeira...ficou demais!

    ResponderExcluir